Tecnologia de Fórmula 1 em Supercarros de Rua: O Que Realmente É Aproveitado?
A Fórmula 1 funciona como um avançado laboratório de engenharia automotiva, onde tecnologias revolucionárias são testadas antes de chegarem aos veículos de produção. Muitas das inovações desenvolvidas ou aprimoradas na F1 são posteriormente aplicadas em carros de rua, melhorando eficiência, segurança e performance. Em 2025, a transferência tecnológica entre os monopostos de corrida e os supercarros está mais intensa do que nunca, com marcas como Ferrari, McLaren e Mercedes implementando soluções diretas das pistas em seus modelos topo de linha.
Aerodinâmica: A Ciência da Velocidade

A aerodinâmica representa a área mais visível de influência da F1 nos supercarros. Como explica o professor Fernando Catalano, da USP, o aprimoramento aerodinâmico na Fórmula 1 traz benefícios significativos para veículos de rua, aplicando conhecimentos sobre elementos que causam arrasto, ruído e sustentação.
O Ferrari SF90 Stradale exemplifica esta transferência com seu sistema de aerodinâmica ativa que ajusta automaticamente componentes como spoiler traseiro e difusores para otimizar o fluxo de ar, enquanto o McLaren Artura utiliza o avançado chassis MCLA (McLaren Carbon Fibre Lightweight Architecture). Neste design, cada curva existe por uma razão específica, seja para gerenciar fluxo de ar, obter centro de gravidade ultrabaixo ou manter a posição de condução ideal.
O caso mais extremo é o Mercedes-AMG One, que praticamente transpõe a aerodinâmica do carro de F1 para as ruas, com elementos ativos que se ajustam de acordo com a velocidade e o modo de condução selecionado.
Sistemas Híbridos: Recuperação de Energia das Pistas
A tecnologia híbrida da F1, inicialmente introduzida como KERS (Kinetic Energy Recovery System) e posteriormente evoluída para MGU-K, revolucionou a propulsão dos supercarros modernos. Este sistema recupera a energia cinética gerada na desaceleração que normalmente seria desperdiçada durante as frenagens, transformando-a em eletricidade reutilizável.
O Mercedes-AMG One representa o ápice desta transferência tecnológica. Com potência total de 1.063 cv, combina um motor V6 1.6 litro da F1 com quatro motores elétricos, desenvolvido em colaboração direta com a equipe da Mercedes-AMG High Performance Powertrains. O motor gira até 11.000 rpm, valor extraordinário para um carro de rua, embora intencionalmente abaixo do limite da F1 para garantir durabilidade e compatibilidade com combustível comercial.
O Ferrari SF90 Stradale traz sua própria interpretação da tecnologia híbrida, sendo o primeiro modelo da marca a incorporar sistema plug-in. Com um motor V8 4.0 de 780 cavalos combinado com três motores elétricos, o SF90 alcança impressionantes 1.000 cavalos de potência total, tornando-se o primeiro V8 topo de linha da Ferrari.
O McLaren Artura implementa um sistema híbrido mais equilibrado, com motor V6 biturbo de 2993 cm³ aliado a tecnologia elétrica, gerando 680 cv e permitindo aceleração de 0 a 100 km/h em 3 segundos.
Fibra de Carbono: Leveza Extrema
A fibra de carbono, material predominante na F1, é amplamente utilizada nos supercarros atuais. A McLaren revolucionou seu uso em 1981 com o MP4/1, primeiro carro com monocoque desse material, e em 1992 trouxe esta tecnologia aos carros de rua com o icônico McLaren F1.
Em 2025, a tendência evolui para a sustentabilidade. A Mercedes estima que cerca de 75% dos materiais usados em seus carros de corrida são compostos de fibra de carbono, e trabalha para reduzir sua pegada ambiental com materiais sustentáveis em seu W16. A McLaren também inova ao introduzir fibra de carbono reciclada, uma novidade que promete revolucionar a fabricação de componentes.
O professor Denis Wolf, da USP, destaca que o uso da fibra de carbono nos supercarros vai além da redução de peso, criando estruturas extremamente rígidas que melhoram desempenho e segurança simultaneamente.

Eletrônica Avançada: O Cérebro Digital
Os sistemas eletrônicos avançados representam uma contribuição fundamental da F1 aos supercarros. A Unidade de Controle Eletrônico (ECU) controla elementos como embreagem, diferencial e câmbio, incluindo diferenciais eletrônicos que monitoram o patinamento das rodas nas curvas.
O Ferrari SF90 Stradale incorpora esta tecnologia em seus quatro modos de condução: eDrive (apenas motores elétricos), Hybrid (configuração padrão), Performance e Qualify, permitindo ajustar o comportamento do veículo a diferentes situações. Seu cockpit reflete a influência da F1 com painel de instrumentos digital curvo e inclinado em direção ao motorista.
O Mercedes-AMG One eleva este conceito ao extremo, com cinco modos de condução específicos: Race Safe, Race, Race Plus (para pistas), Strat 2 (potência máxima) e Individual, oferecendo experiências de condução radicalmente diferentes.
O McLaren Artura incorpora sistemas de assistência eletrônica de última geração, incluindo controle de estabilidade ESP e controle de tração TCS avançado, garantindo transmissão eficiente da potência mesmo em condições adversas.
Transmissões de Dupla Embreagem: Trocas Instantâneas
As transmissões de dupla embreagem (DCT) representam outra tecnologia da F1 que transformou os supercarros. Pioneiras na Fórmula 1, estas transmissões que permitem trocas de marcha sem acionar a embreagem são hoje comuns em carros de alto desempenho.
No Ferrari SF90 Stradale, a transmissão de dupla embreagem de oito velocidades permite trocas quase instantâneas, contribuindo para sua impressionante aceleração. O McLaren Artura utiliza uma transmissão DCT de 8 marchas conhecida comercialmente como SSG (Seamless Shift Gearbox), destacando sua capacidade de realizar trocas sem interrupções de potência.
O Mercedes-AMG One vai além, com uma transmissão manual de 7 velocidades especialmente desenvolvida, incorporando hastes de mudança e embreagem de fibra de carbono controlados hidraulicamente.
O professor Rafael Castro, da Unicamp, destaca que estas transmissões modernas trocam marchas em menos de 50 milissegundos, tempo impensável sem o desenvolvimento proporcionado pela F1.
Integração Homem-Máquina: Comandos Avançados
Os volantes multifuncionais dos supercarros derivam diretamente da F1. Esta tecnologia existe desde 1970 nos carros de corrida, estimando-se que existam entre 20 e 25 botões nos volantes modernos da categoria.
O Mercedes-AMG One incorpora um volante semelhante ao da F1 que permite ajustes de condução e suspensão, além de exibir informações vitais. O Ferrari SF90 Stradale segue filosofia similar, com tela digital de 16 polegadas curva e inclinada para o motorista, enfatizando o estilo F1.
A professora Daniela Costa, da UFMG, destaca que estes sistemas representam uma revolução na interação homem-máquina, permitindo controle de múltiplas funções sem tirar as mãos do volante ou os olhos da estrada.
Suspensão e Controle de Chassi: Domando a Potência
Os sistemas de suspensão de F1 são fundamentais para os supercarros modernos. O McLaren Artura utiliza suspensão adaptativa com diferencial eletrônico integrado para otimizar motricidade em curvas, complementado por freios de alta performance.
O Mercedes-AMG One implementa suspensão multilink com inovadora configuração push-rod derivada diretamente da F1, oferecendo excepcional equilíbrio entre desempenho e usabilidade.
O Dr. Paulo Almeida, do Instituto Mauá de Tecnologia, ressalta que estes sistemas conseguem o aparentemente impossível: proporcionar estabilidade extrema em altas velocidades mantendo conforto razoável para uso cotidiano.
O Futuro da Transferência Tecnológica
As mudanças regulatórias da F1 previstas para 2026 prometem influenciar a próxima geração de supercarros. As novas unidades de potência, com divisão equitativa entre motor a combustão e sistema elétrico, combustíveis 100% sustentáveis e aerodinâmica ativa avançada, já estão sendo desenvolvidas.
Os supercarros de 2025 já demonstram a evolução da sustentabilidade aliada ao desempenho, com tecnologias híbridas cada vez mais eficientes. À medida que a Fórmula 1 avança em direção a um futuro mais sustentável, os supercarros seguirão este caminho, mantendo o papel da competição como berço de inovações automotivas.
Conclusão: Das Pistas às Ruas

A transferência de tecnologia da Fórmula 1 para os supercarros de rua representa um dos mais fascinantes exemplos de como a competição impulsiona a inovação. A F1 não é apenas uma competição, mas um laboratório onde tecnologias cruciais são forjadas e posteriormente adaptadas para veículos de produção, estabelecendo novos paradigmas de desempenho, eficiência e segurança.
Embora muitas dessas tecnologias ainda estejam restritas aos veículos mais exclusivos, a história mostra que eventualmente migrarão para carros mais acessíveis, beneficiando o mercado automobilístico como um todo. Este fluxo constante de inovação garante que a paixão pelas corridas continue beneficiando motoristas comuns, mesmo aqueles que nunca pisarão em uma pista de competição.
Referências
- Jornal da USP: Tecnologia da Fórmula 1: o que pode ser transferido das pistas para as ruas?
- Oficina Brasil: Frenagem regenerativa, tecnologia dos carros da F1 para os carros de rua: a história é outra
- McLaren São Paulo: Herança e DNA de fibra de carbono da McLaren: do MP4/1 na Fórmula 1 ao supercarro W1
- Autoracing: F1 – O papel da eletrônica na Fórmula 1
- Box Box Radio: F1 avança com concessões para motores de 2026 e descarta mudanças para V10