DeLorean DMC-12: O carro que viajou no tempo e marcou uma geração
Poucos automóveis conseguiram transcender seu propósito original para se tornarem verdadeiros ícones culturais. O DeLorean DMC-12, com sua carroceria de aço inoxidável escovado e suas icônicas portas tipo asa de gaivota, é um desses raros exemplos. Produzido por apenas dois anos, entre 1981 e 1982, este carro esportivo de design futurista falhou comercialmente, mas conquistou imortalidade ao “viajar no tempo” na trilogia cinematográfica “De Volta Para o Futuro”, transformando-se em um símbolo permanente da cultura pop dos anos 1980.

A visão e o visionário por trás do DMC-12
O DeLorean surgiu da ambição de John Zachary DeLorean, um brilhante engenheiro automobilístico e executivo da General Motors que havia ajudado a criar sucessos como o Pontiac GTO e o Chevrolet Vega. No auge de sua carreira na GM, DeLorean surpreendeu o mundo corporativo ao pedir demissão em 1973 para fundar sua própria montadora: a DeLorean Motor Company (DMC).
Sua visão era criar um “carro ético” – seguro, durável e atraente, que pudesse durar décadas. Para concretizar esse sonho, DeLorean reuniu talentos excepcionais, incluindo o lendário designer italiano Giorgetto Giugiaro para desenvolver a carroceria e o engenheiro Colin Chapman, fundador da Lotus, para o desenvolvimento técnico.
O sonho em aço inoxidável
O design do DMC-12 era revolucionário para a época. Suas características mais marcantes eram:
- Carroceria de aço inoxidável escovado: Não pintada, resistente à corrosão e com acabamento metálico distintivo
- Portas tipo asa de gaivota: Abrindo para cima, proporcionando visual dramático e futurista
- Chassi traseiro em formato Y: Desenvolvido pela Lotus, combinando peso reduzido com rigidez estrutural
- Motor V6 PRV: Desenvolvido em parceria entre Peugeot, Renault e Volvo, posicionado na traseira do veículo
O uso do aço inoxidável escovado eliminava a necessidade de pintura (reduzindo custos de produção) e prometia evitar a corrosão, um problema comum nos automóveis da época. As portas tipo asa de gaivota, embora não fossem uma novidade absoluta (o Mercedes-Benz 300SL já as utilizava nos anos 1950), contribuíram para solidificar a imagem futurista e única do veículo.
Do projeto à produção: uma jornada turbulenta
O desenvolvimento do DeLorean foi repleto de desafios. John DeLorean conseguiu levantar aproximadamente $175 milhões em financiamento, incluindo subsídios significativos do governo britânico para construir uma fábrica em Dunmurry, Irlanda do Norte – uma região com alta taxa de desemprego e tensões políticas.
A produção iniciou-se em janeiro de 1981, mas problemas de qualidade e atrasos constantes afetaram o lançamento. As especificações originais prometiam um carro leve, com menos de 1.000 kg, mas o modelo final acabou pesando cerca de 1.230 kg, afetando significativamente seu desempenho. Embora os veículos tenham sido produzidos apenas entre 1981 e 1982, uma parte significativa dos últimos carros fabricados foi vendida como modelos do ano 1983, especialmente após o fechamento da fábrica, quando concessionários precisaram liquidar o estoque remanescente. Esta diferença entre o ano de fabricação e o ano-modelo causa frequente confusão entre colecionadores e historiadores automotivos.
O motor V6 PRV de 2,85 litros apresentava potência variável conforme o mercado de destino. Nos Estados Unidos, devido às rigorosas normas de emissões e à necessidade de conversores catalíticos, a potência era limitada a 130 cavalos (97 kW), enquanto na Europa o mesmo motor entregava cerca de 150-155 cavalos. Esta diferença significativa afetava diretamente o desempenho: os modelos americanos aceleravam de 0 a 100 km/h em aproximadamente 8,8 segundos, enquanto as versões europeias eram cerca de um segundo mais rápidas. Para ambas as versões, o desempenho era considerado inferior ao esperado para um esportivo com preço inicial de $25.000 (equivalente a cerca de $80.000 em valores atuais).

Problemas financeiros e o escândalo que derrubou a empresa
A combinação de alto custo de produção, preço elevado e desempenho abaixo do esperado resultou em vendas decepcionantes. Em outubro de 1982, John DeLorean foi preso pelo FBI em uma operação de flagrante relacionada a tráfico de drogas. Embora posteriormente absolvido (sua defesa alegou com sucesso que foi vítima de uma armadilha), o escândalo foi fatal para a empresa já financeiramente fragilizada.
A produção do DMC-12 encerrou-se em dezembro de 1982, após apenas cerca de 9.000 unidades produzidas. O sonho de DeLorean havia terminado, e sua empresa declarou falência pouco depois.
A incrível ressurreição cultural pelo cinema
Ironicamente, o verdadeiro sucesso do DeLorean viria alguns anos após o fim de sua produção. Em 1985, o diretor Robert Zemeckis e o produtor Steven Spielberg escolheram o DMC-12 para ser a máquina do tempo no filme “De Volta Para o Futuro”. A escolha foi inspirada – o design futurista do carro, especialmente suas portas asa de gaivota, proporcionava o visual perfeito para uma máquina do tempo.
O personagem Dr. Emmett Brown (interpretado por Christopher Lloyd) explicava no filme que havia escolhido o DeLorean porque “se você vai construir uma máquina do tempo, por que não fazê-la com estilo?” – uma frase que se tornaria emblemática. O sucesso mundial da trilogia transformou instantaneamente o DMC-12 em um dos carros mais reconhecíveis do mundo.
Modificações para o filme
Para o filme, o DeLorean recebeu várias modificações visuais:
- O “Capacitor de Fluxo” (responsável pela viagem no tempo)
- Luzes externas adicionais e painéis de controle
- Um reator nuclear fictício na traseira
- Display digital de data e hora
Estas adições tornaram-se tão icônicas quanto o próprio carro, criando uma versão cinematográfica que, para muitos, é indissociável do modelo original.
O legado técnico e cultural do DeLorean DMC-12
Apesar de seu fracasso comercial, o DMC-12 introduziu várias inovações significativas no design automotivo:
- Uso pioneiro do aço inoxidável como material principal para carroceria de produção em massa
- Filosofia de design centrada na durabilidade e resistência à corrosão
- Estrutura composta combinando fibra de vidro e aço
- Sistema de fabricação modular que permitia substituição fácil de componentes
Culturalmente, o DMC-12 transcendeu seu status de simples automóvel para se tornar um símbolo dos anos 1980 e da cultura pop. Sua presença contínua em videogames, séries de TV, moda e design demonstra a força duradoura de seu apelo visual único.
O renascimento da marca e o futuro do DeLorean
Em 1995, o mecânico Stephen Wynne adquiriu os direitos da marca DeLorean e um enorme estoque de peças originais, estabelecendo a DeLorean Motor Company do Texas. Esta nova empresa passou a oferecer restaurações, peças e até mesmo “novos” DMC-12 construídos com peças originais em estoque.
A partir de 2016, mudanças na legislação americana permitiram a produção limitada de réplicas de carros clássicos sem necessidade de atender a todas as normas modernas de segurança. Isso abriu caminho para uma possível produção renovada do DMC-12, embora em escala muito reduzida.
Em 2022, uma nova iteração da marca DeLorean anunciou o desenvolvimento do Alpha5, um veículo elétrico que incorpora elementos de design do DMC-12 original, como as portas asa de gaivota, mas com uma abordagem totalmente contemporânea e eletrificada.

Possuir um DeLorean hoje: entre o colecionismo e a paixão
Dos aproximadamente 9.000 DMC-12 produzidos, estima-se que cerca de 6.500 ainda existam hoje – uma taxa de sobrevivência notavelmente alta para um carro de sua época, demonstrando a durabilidade da carroceria de aço inoxidável.
Possuir um DeLorean hoje é uma mistura de paixão automobilística e cultural. Os proprietários frequentemente relatam que não podem estacionar em locais públicos sem atrair multidões de admiradores fascinados. Clubes de proprietários de DeLorean existem em diversos países, promovendo encontros e compartilhamento de conhecimento sobre restauração e manutenção.
O preço de um DMC-12 em bom estado varia entre $40.000 e $70.000 atualmente, dependendo da condição e originalidade. Modelos excepcionalmente bem preservados ou com alguma história especial podem ultrapassar $100.000 em leilões especializados.
Desafios de manutenção
A manutenção de um DMC-12 apresenta desafios únicos:
- O reparo de painéis de aço inoxidável danificados requer técnicas especializadas
- O sistema elétrico, notoriamente problemático mesmo quando novo, exige atenção constante
- Peças mecânicas específicas podem ser difíceis de encontrar, embora a disponibilidade de componentes tenha melhorado graças à DeLorean Motor Company do Texas
Conclusão: Um fracasso comercial que conquistou imortalidade
O DeLorean DMC-12 representa um paradoxo fascinante na história automobilística: um carro que fracassou em termos comerciais, mas alcançou um tipo diferente de sucesso através da cultura popular. Seu impacto excede vastamente seus modestos números de produção e especificações técnicas.
O que torna o DeLorean especial não é apenas seu design distinto ou sua construção incomum, mas a história completa que ele representa: a ambição de um visionário, a tentativa de criar algo revolucionário, o fracasso dramático, e a inesperada redenção cultural. O DMC-12 não é apenas um carro – é uma narrativa completa sobre sonhos, inovação, fracasso e renascimento.
Em uma era em que a indústria automobilística caminha para a eletrificação e condução autônoma, o charme retro-futurista do DeLorean permanece intacto, lembrando-nos de uma época em que o futuro parecia ao mesmo tempo mais simples e mais ousado. O DMC-12 não apenas “viajou no tempo” em um filme – ele realmente transcendeu sua época, tornando-se um símbolo atemporal que continua fascinando novas gerações que nem sequer haviam nascido quando o último modelo saiu da linha de produção.
Referências
- Autoesporte: Que fim levou o DeLorean DMC-12 do ‘De Volta para o Futuro’?
- Motor1: História do criador do DeLorean vai virar filme
- UOL Carros: DeLorean DMC-12, carro famoso em Hollywood, tem unidade à venda no Brasil
- Autoesporte: DeLorean DMC-12, de ‘De Volta para o Futuro’, é recriado em versão totalmente elétrica
- Rolling Stone Brasil: Por que máquina do tempo de De Volta Para o Futuro é um DeLorean?