A História dos Motores Wankel: Vantagens e Desvantagens
A revolução do motor rotativo
Em um universo dominado por motores a pistão, o motor Wankel representa uma fascinante alternativa à arquitetura convencional. Criado pelo engenheiro alemão Felix Wankel, esse revolucionário propulsor abandonou o movimento alternativo dos pistões em favor de um rotor triangular que gira dentro de uma câmara ovalada, redefinindo os limites de compactação e suavidade de funcionamento.
As origens do motor Wankel
A história do motor Wankel começou em 1924, quando Felix Heinrich Wankel concebeu seus primeiros esboços para um motor de combustão interna com funcionamento rotativo. Apesar da ideia inicial ter surgido cedo, o primeiro protótipo funcional só seria desenvolvido em 1957, quando Wankel, trabalhando em parceria com a fabricante alemã NSU, finalmente construiu o primeiro protótipo, denominado DKM.
O primeiro automóvel produzido em série equipado com motor Wankel foi o NSU Spider, lançado em 1964. Três anos depois, em 1967, a NSU lançaria o Ro 80, um sedã futurista com motor Wankel de dois rotores, enquanto a Mazda, que havia adquirido licença para desenvolver a tecnologia, apresentava seu primeiro modelo rotativo, o Cosmo Sport.

Como funciona o motor Wankel
O motor Wankel utiliza um rotor triangular (com faces ligeiramente abauladas) que gira excentricamente dentro de uma câmara de formato epitrocoidal (semelhante a um oval alongado). À medida que o rotor gira, suas faces e vértices criam três câmaras de volume variável entre o rotor e a parede do estator. Cada câmara passa consecutivamente pelos quatro tempos do ciclo Otto: admissão, compressão, combustão e escape.
A beleza do sistema está na simplicidade com que realiza esses quatro tempos de forma mais contínua e menos intermitente que nos motores convencionais. O rotor transmite o movimento através de uma engrenagem interna que está conectada ao eixo de saída. Para cada volta completa do rotor, o eixo de saída dá três voltas, resultando em uma relação de velocidade que contribui para a elevada potência específica.
Vantagens do motor Wankel
O motor rotativo Wankel apresenta diversas vantagens significativas:
Suavidade de funcionamento
Por não possuir movimento alternativo, o motor Wankel opera com níveis muito inferiores de vibração. Sem os movimentos de aceleração e desaceleração constantes dos pistões, o funcionamento é intrinsecamente mais suave.
Compacidade e leveza
Uma das características mais impressionantes do motor Wankel é sua extraordinária relação potência/peso e potência/volume. Um motor Wankel pode ser até um terço do tamanho e peso de um motor a pistão de potência equivalente.
Simplicidade mecânica
O número reduzido de peças móveis – aproximadamente 30% menos que um motor convencional – torna o motor Wankel teoricamente mais confiável e de manutenção mais simples. A ausência de válvulas, comando de válvulas, bielas e virabrequim complexo reduz os pontos de falha potenciais.
Alta capacidade de rotação
Sem as limitações impostas pelo movimento alternativo dos pistões, os motores Wankel podem operar em regimes de rotação extraordinariamente elevados, facilmente atingindo 9.000-10.000 rpm, com alguns motores modificados para competição chegando a 14.000 rpm.
Resposta rápida ao acelerador
A natureza do funcionamento rotativo, sem a inércia característica dos componentes dos motores a pistão, permite que o motor Wankel responda quase instantaneamente a comandos do acelerador.
Torque mais homogêneo
O ciclo de combustão mais contínuo resulta em uma entrega de torque mais linear e previsível ao longo da faixa de rotações.
Desvantagens do motor Wankel
Apesar de suas inúmeras qualidades, o motor Wankel também apresenta limitações que impediram sua adoção generalizada:
Problemas de vedação
O maior desafio técnico está na vedação eficiente entre as câmaras. Os vértices do rotor triangular precisam manter contato constante com as paredes da câmara. A dilatação térmica desigual e o desgaste desses selos de vértice levaram a problemas de confiabilidade em modelos iniciais.
Consumo elevado de combustível
A geometria da câmara de combustão, com sua forma alongada e elevada relação superfície/volume, resulta em combustão menos eficiente quando comparada a motores a pistão modernos.
Consumo de óleo intrínseco
O design do motor Wankel exige lubrificação das vedações do rotor, resultando no consumo intencional de pequenas quantidades de óleo como parte de seu funcionamento normal.
Emissões elevadas
Os problemas de vedação e a geometria da câmara de combustão resultam em combustão menos completa, levando a maiores emissões de hidrocarbonetos não queimados e monóxido de carbono.
Baixo torque em baixas rotações
Embora ofereça excelente potência específica, o motor Wankel tipicamente apresenta torque relativamente modesto em baixas rotações.
Custos de desenvolvimento e especialização
A tecnologia distinta do motor Wankel exige ferramental específico e conhecimento especializado, aumentando os custos de desenvolvimento e manutenção.
Os pioneiros do motor Wankel
Embora várias fabricantes tenham experimentado a tecnologia Wankel, duas se destacaram como verdadeiras pioneiras: NSU e Mazda.
A NSU foi a parceira original de Felix Wankel e a primeira a lançar veículos equipados com motores rotativos. Além do Spider, a marca alemã apresentou o revolucionário Ro 80 em 1967, um sedã tecnologicamente avançado que venceu o título “Carro do Ano” na Europa em 1968. No entanto, problemas de confiabilidade e o alto consumo de combustível durante a crise do petróleo dos anos 1970 minaram seu sucesso comercial.
A Mazda demonstrou um compromisso extraordinário com a tecnologia rotativa. Após adquirir a licença da NSU em 1961, a fabricante japonesa dedicou recursos significativos ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do motor Wankel. Seu primeiro modelo rotativo, o Cosmo Sport de 1967, foi seguido por uma linhagem de veículos icônicos incluindo o RX-2, RX-3, RX-4 e, mais notavelmente, o RX-7.
O apogeu: Mazda RX-7 e RX-8

O Mazda RX-7, lançado inicialmente em 1978, passou por três gerações distintas. A terceira geração (FD), produzida entre 1992 e 2002, é particularmente venerada por entusiastas, combinando linhas elegantes com o poderoso motor 13B-REW de dois rotores e duplo turbocompressor, capaz de gerar 280 cavalos de potência.
O sucessor do RX-7, o RX-8 (2003-2012), adotou uma abordagem mais prática com quatro portas e um novo motor Renesis naturalmente aspirado. Embora menos potente que seu antecessor turbinado, o Renesis oferecia maior eficiência e menores emissões, representando o ápice do desenvolvimento do motor Wankel em produção de série.
A conquista de Le Mans
O ponto culminante na história do motor Wankel em competições ocorreu em 16 de junho de 1991, quando o Mazda 787B, equipado com um motor rotativo de quatro rotores e 700 cavalos de potência, conquistou a vitória geral nas 24 Horas de Le Mans – a prova de resistência mais prestigiada do automobilismo mundial.
Esta vitória histórica foi a primeira para uma montadora japonesa e a primeira para um carro não equipado com motor a pistão convencional. O som único e ensurdecedor do 787B, com seu agudo distintivo em altas rotações, tornou-se lendário entre os aficionados do automobilismo.
Ironicamente, no ano seguinte, a Fédération Internationale de l’Automobile (FIA) alterou os regulamentos, efetivamente banindo os motores rotativos da categoria.
Outros usos do motor Wankel
A aplicabilidade do motor Wankel não se limitou apenas à indústria automotiva. Suas vantagens únicas, particularmente a excepcional relação potência/peso, tornaram-no atraente para diversas outras aplicações:
Aviação
A compacidade, leveza e funcionamento suave do Wankel o tornam ideal para pequenas aeronaves e veículos aéreos não-tripulados (VANTs), onde a baixa vibração beneficia sistemas de câmeras e sensores.
Motocicletas
A Van Veen OCR 1000, produzida na década de 1970, e a Suzuki RE5 de 1974 são exemplos notáveis de motocicletas que utilizaram a tecnologia rotativa.
Geradores e aplicações estacionárias
A operação suave e os baixos níveis de vibração tornam o motor Wankel apropriado para geradores portáteis e outras aplicações onde ruído e vibração são preocupações.
O declínio e as perspectivas futuras
Apesar de seu potencial, o motor Wankel enfrentou um declínio gradual nas últimas décadas. O fim da produção do RX-8 em 2012 marcou o término temporário da era dos veículos de produção em massa equipados com motores rotativos.
Os principais fatores que levaram a esse declínio foram:
- Regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas
- Crescente pressão por eficiência energética e redução do consumo de combustível
- Avanços significativos na tecnologia dos motores a pistão convencionais
- Altos custos de desenvolvimento necessários para adequar o motor Wankel às novas demandas
No entanto, o conceito do motor rotativo não foi completamente abandonado. A Mazda continua pesquisando e desenvolvendo a tecnologia, agora com foco em aplicações híbridas onde o motor Wankel atuaria como um gerador de bordo para estender a autonomia de veículos primariamente elétricos.
Em 2023, a Mazda anunciou o retorno do motor rotativo em versão modificada no modelo MX-30 e-Skyactiv R-EV, um SUV híbrido onde o Wankel funciona exclusivamente como gerador, sem conexão direta com as rodas. Esta configuração contorna muitas das desvantagens tradicionais do rotativo ao operar em regime constante e otimizado.
Legado e impacto cultural

Mais do que apenas uma curiosidade tecnológica, o motor Wankel deixou um legado duradouro na cultura automobilística. Os veículos equipados com motores rotativos, especialmente os Mazda RX-7 e RX-8, desenvolveram bases de fãs apaixonados e fiéis em todo o mundo.
O som único do motor Wankel – um ronco suave em baixas rotações que evolui para um agudo distintivo próximo à linha vermelha – é instantaneamente reconhecível por entusiastas. Essa “assinatura sonora”, juntamente com a capacidade de atingir rotações extraordinariamente altas, conferiu aos veículos rotativos uma personalidade inconfundível.
No Japão, o motor rotativo se tornou um símbolo de orgulho nacional e inovação técnica, representando a disposição da indústria japonesa em explorar caminhos não convencionais.
Conclusão: uma revolução inacabada
O motor Wankel, com sua engenhosidade e elegância de design, demonstra que existem múltiplos caminhos para resolver os desafios da propulsão veicular. Embora não tenha alcançado a ubiquidade dos motores a pistão, provou seu valor em aplicações específicas onde suas vantagens únicas eram particularmente valorizadas.
O futuro pode reservar novos capítulos para esta tecnologia, especialmente em configurações híbridas ou como geradores de extensão de autonomia para veículos elétricos. Independentemente de seu futuro comercial, o motor Wankel já garantiu seu lugar na história da engenharia automotiva como um exemplo brilhante de pensamento inovador que desafiou convenções estabelecidas.
Referências
- Quatro Rodas: Mágica em vídeo: é assim que um motor Wankel funciona
- Motor1 Brasil: Mazda Iconic SP Concept é o carro mais bonito mostrado em Tóquio
- Olhar Digital: Salão do Automóvel de Tóquio: 5 carros esportivos elétricos revelados
- Quatro Rodas: Clássicos: Mazda RX-7 arrancava suspiros dos japoneses nos anos 90
- Wikipedia: Motor Wankel